O projecto de pesquisa arqueológica no castelo pretende viabilizar um programa para a sua requalificação urbanística e valorização patrimonial.
A campanha de escavações arqueológicas que termina hoje em Almeida permitiu o reconhecimento de uma das antigas torres medievais do castelo daquela vila e das estruturas de armazenamento de munições que estiveram na origem da sua destruição. As escavações inserem-se no projecto “O Castelo de Almeida: origem medieval, reformas manuelinas e reutilização moderna. Investigação e valorização arqueológica”, desenvolvido no quadro de um protocolo de colaboração entre a câmara local e o Centro de História de Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores. A parceria entre estas instituições visa o estudo, identificação e valorização do património histórico e arqueológico do concelho de Almeida, em particular da sua arquitectura militar medieval e moderna. O projecto de pesquisa arqueológica no castelo pretende viabilizar um programa para a sua requalificação urbanística e valorização patrimonial. De salientar que, após as sondagens realizadas em 2007, decorreram algumas campanhas arqueológicas desde 2009, a que se pretende dar continuidade. O projecto permitiu esclarecer questões como a data de fundação do castelo e da própria vila, «no âmbito do processo de povoamento ou repovoamento desta região da Beira Interior nos alvores da nacionalidade». Por outro lado, o modo de vida das comunidades que «habitaram o recinto e o burgo na Idade Média e as etapas político-militares de ocupação do espaço no contexto das guerras da segunda metade do século XIV» e a «natureza das obras inovadoras introduzidas no reinado de D. Manuel I pelo célebre arquitecto Francisco Danzilho» foram outros dos aspectos esclarecidos.
Castelo está na origem da fundação da vila
O referido monumento, que «terá sido muito provavelmente o espaço fundador da vila, o local de assentamento do primeiro núcleo de povoadores e o centro do poder político-militar até à Idade Moderna» permaneceu como «um elemento primordial do aglomerado urbano até inícios do século XIX, quando uma monumental explosão o deixou em ruínas, no quadro da terceira invasão francesa». Para a equipa que tem a seu cargo esta prospecção arqueológica, o castelo «foi um dos melhores exemplares em Portugal continental da arquitectura militar de finais da Idade Média e inícios da Idade Moderna». Os trabalhos, que agora terminam, iniciaram-se a 19 de Julho. Financiado pela Câmara Municipal de Almeida, este projecto pretende ser, também, um espaço de formação em arqueologia. Tanto que a campanha deste ano contou com a presença alunos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Instituto do Património apresentou queixa contra desconhecidos por destruição de gravura com cinco mil anos no Parque Arqueológico do Côa. Ministério Público já está em campo
A destruição de uma pintura rupestre com cinco mil anos, encontrada na aldeia de Malhada Sorda, concelho de Almeida, em 2002, pode vir a ser o primeiro caso de destruição de arte rupestre a chegar a tribunal. O Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) já avançou com uma queixa contra desconhecidos no Ministério Público. E o processo está na fase de inquérito, que poderá ou não ser arquivado.
Isabel Magalhães nem queria acreditar quando chegou à ribeira das casas, numa tarde de passeio com a filha e uma amiga, e viu que a pintura rupestre com mais de cinco mil anos, que tinha descoberto sem querer há sete anos, estava destruída. "Deu-me vontade de chorar", lembra.
A professora de História, que também já foi arqueóloga, não mora longe dali. Vive no centro da aldeia de Malhada Sorda, concelho de Almeida. Um breve carreiro separa a casa daquele lugar da ribeira das casas, onde, passadas as poldras, uma espécie de ponte ancestral, as enormes lajes graníticas alinhadas em anfiteatro abrigam um tesouro raro: um conjunto de pinturas rupestres.
"É um sítio muito bonito", diz sobre o cenário no local, rodeado de granito, cuja extracção é uma das maiores actividades da pequena aldeia. "Quando aqui vim pela primeira vez, achei o lugar muito curioso, com esta forma de palco. Devem ter achado o mesmo que eu há cinco mil anos."
Intencional e cirúrgica
Não é fácil a olhos destreinados escrutinar as linhas milenares que ali pintaram na pedra representando um cervídeo. Os traços que compõem a figura, que poderão ser do período neolítico, foram todos picados, ninguém sabe com que instrumento. Nem porquê. E, acima de tudo, ninguém sabe por quem. Mais à direita permanecem mais pinturas, formas antropomórficas que permanecem intactas.
Há sete anos, quando Isabel Magalhães deu com as pinturas pela primeira vez, alertou o Parque Arqueológico do Vale do Côa. Os técnicos vieram. Não tinham dúvidas de que ali estava um tesouro. Mas, como é normal com os conjuntos de arte rupestre do Vale do Côa, este ali ficou.
Nuno Neto, arqueólogo e natural de Malhada Sorda, diz que a descoberta desta gravura na ribeira das casas, junto a um leito de ribeira, não surpreende: "É um fenómeno mágico, simbólico, o curso da água, para além de ser uma fonte de vida. Os animais matavam ali a sede, daí aparecerem gravuras e pinturas nestes sítios. São uma espécie de altares". Para o arqueólogo, desperdiçou-se, em 2002, a oportunidade de estudar esta pintura por falta de recursos: "Os técnicos que existem não conseguem dar conta do recado".
Este ano, quando deu conta da destruição das gravuras, Isabel Magalhães avisou o Parque Arqueológico do Côa e a junta de freguesia. "Até falaram disto na missa. Este é um assunto da comunidade", lembra a professora, que não tem dúvidas: "Foi uma coisa cirúrgica. Quem o fez sabia o que estava a fazer".
Nuno Neto acrescenta: "Nunca vi um caso de destruição de arte rupestre com esta minúcia. Alguém que não percebesse do assunto não identificaria a pintura tão bem. Não faço ideia do que passou na cabeça da pessoa que destruiu aquilo".
António Martinho Baptista, paleo-historiador, também pensa da mesma maneira: "É uma destruição intencional. Quem lá foi, sabia bem o que estava a destruir". E fala de uma perda irreparável: "É algo irrecuperável. O que se perdeu é o testemunho de uma pintura com mais de cinco mil anos, provavelmente neolítica. É um património antigo que desapareceu", diz o especialista, que afirma: "Se chegar a tribunal, será o primeiro caso. Ainda bem. Pode ser que faça jurisprudência".
Para João Pedro Cunha Ribeiro, subdirector de Arqueologia do Igespar, a melhor maneira de proteger este património é tentar que passe despercebido: "Os patrimónios arqueológicos fora das cidades são todos vulneráveis. Parte da sensibilidade e civismo das pessoas protegê-lo". O responsável lembra alguns casos em que foi usada vedação dos locais arqueológicos, como no lugar do Lapedo, em Leiria, onde em 1998 foi encontrado o esqueleto de uma criança de Neanderthal. "Mas muitas vezes o melhor é mesmo passar despercebido, não chamar a atenção."
João Pedro Cunha Ribeiro conhece outros casos de destruição de arte rupestre mas nenhum chegou a tribunal. Não sabe se os culpados serão revelados ou punidos. "Mas só o facto de avançarmos com o processo, creio que é pedagógico e dissuasor da ocorrência de outros casos."
E, para Nuno Neto, é na sensibilização das populações para a importância deste património que as autoridades devem trabalhar: "É preciso sensibilizar a população para este tipo de património e para o impacto que pode ter na vida das pessoas".
Fonte: Ana Machado (26 Dez 2009). Público.
Um dos painéis de granito com pinturas rupestres, com cerca de cinco mil anos, encontrado há sete anos na área da freguesia de Malhada Sorda, concelho de Almeida, foi destruído. O Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC) lamenta o sucedido, considerando que existiu a “clara intenção” de fazer desaparecer aquele achado arqueológico.
A figura pré-histórica "foi completamente destruída, tendo sido lavada e repicada com a clara intenção de a fazer desaparecer, o que de facto foi conseguido", lamentou António Martinho Baptista, arqueólogo e pré-historiador de arte do PAVC, considerando que se trata de um "crime de lesa-arqueologia". "Apagaram mais de cinco mil anos de História", sublinhou em declarações à Lusa.
Segundo o arqueólogo, o sítio onde se encontra o achado era constituído por dois painéis verticais em granito, "ambos decorados com pinturas pós-glaciares em tons de vermelho". "A mais interessante figura" do conjunto era "uma figura zoomórfica em estilo seminaturalista, a fazer lembrar algumas das representações do Côa e até do Tejo", acrescentou.
Martinho Baptista explica que na figura destruída era visível "uma pequena cabeça perfilada em V, o pescoço fino e o corpo ovalado" de um animal, características que remetem "para a forma tipológica de um cervídeo fêmea".
Martinho Baptista, antigo director do extinto Centro Nacional de Arte Rupestre, relatou que o achado estava em "duas pequenas rochas" que constituam uma espécie de "abrigo" e foi encontrado por um casal residente em Malhada Sorda.
O presidente da Câmara Municipal de Almeida, António Baptista Ribeiro, disse que teve conhecimento do sucedido através do casal de Malhada Sorda que fez a descoberta e que "de imediato" comunicou o caso ao PAVC. "Da parte da autarquia nada mais havia a fazer, a não ser denunciar a situação às autoridades competentes, neste caso o PAVC", referiu.
O autarca assumiu tratar-se de uma ocorrência que o "preocupa" e disse que "o acto criminoso significa uma perda irreparável" para o património histórico concelhio.
Fonte: (11 Ago 2009). Público: http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1395591&idCanal=59