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O Património é um bem comum... Preservá-lo só depende de cada um de nós...
Foi graças a um tufo de cabelo, conservado durante milénios no permafrost do Árctico, que uma equipa internacional de investigadores conseguiu, pela primeira vez, reconstituir 80 por cento do genoma de um ser humano pré-histórico e determinar alguns dos seus traços físicos, bem como alguns elementos da origem geográfica dos seus antepassados.
Eske Willerslev, da Universidade de Copenhaga, e os seus colegas, que publicam os seus resultados na revista Nature, baptizaram com o nome Inuk este velho humano – que os seus genes dizem ser do sexo masculino. Inuk, que viveu há uns quatro mil anos na Gronelândia, pertencia à cultura saqqaq, hoje extinta, conhecida como sendo a primeira a ter habitado aquela região do mundo. Trata-se de um povo sobre o qual pouco se sabe, porque pouco resta da sua cultura.
Os restos de cabelo – e também de osso – provêm da localidade de Qeqertasussuk. Mas, ironicamente, como conta também na Nature Rex Dalton, num perfil de Willerslev, não foi ele que os encontrou. O cientista já tinha procurado, em 2006, cabelos humanos no permafrost da tundra do norte da Gronelândia. Mas em vão. Qual não terá sido o seu espanto quando, dois anos mais tarde, deu com o cabelo de Inuk... numa cave do Museu de História Natural da Dinamarca, a escassos quarteirões de distância do seu próprio laboratório. Estava lá guardado há 20 anos.
Genómica último modelo
Utilizando a mais avançada geração de máquinas de sequenciação genética, os investigadores conseguiram, no ano passado, extrair e sequenciar o ADN do cabelo de Inuk. A operação demorou dois meses e meio e custou meio milhão de dólares. Graças a isso, puderam repetir a sequenciação 20 vezes, o que lhes permitiu obter resultados de grande precisão, com muito poucos erros de leitura dos seis mil milhões de bases do ADN (metade vinda da mãe de Inuk, metade do seu pai). “A nossa sequência”, disse Willerslev durante uma conferência telefónica com jornalistas, “é comparável em qualidade à dos genomas sequenciados até agora de indivíduos actuais”.
A seguir, os cientistas fizeram, basicamente, o que faz hoje qualquer uma daquelas empresas que, por algumas centenas de euros, nos propõem analisar o nosso genoma para determinar a nossa ancestralidade, características físicas e os nossos riscos perante diversas doenças: estudaram os chamados SNP de Inuk – mais precisamente, 350 mil destes marcadores genéticos. Os SNP, ou single nucleotide polymorphisms, são variações pontuais, numa única letra do ADN, distribuídas por todo genoma e que permitem deduzir este tipo de informações comparando os indivíduos.
Concluíram assim, entre outras coisas, que Inuk tinha provavelmente os olhos e a pele castanha, que tinha os dentes “em forma de pá” (uma morfologia característica dos povos asiáticos) e que estava geneticamente adaptado ao clima frio do seu habitat. Que a cera dos seus ouvidos era seca, que o seu grupo sanguíneo era A+ e que tinha uma tendência para a calvície. A este propósito, Willerslev salienta que “este tipo tinha ainda muito cabelo, portanto deve ter morrido jovem...”
Mas a grande surpresa veio do estudo da ancestralidade de Inuk. “Descobrimos que as populações actuais geneticamente mais próximas de Inuk”, acrescenta Willerslev, “são três populações da Sibéria”. Os nganasans, os koryaks e os chukchis. Embora Inuk possa não ser representativo da cultura saqqaq, isto sugere que, ao contrário do que se pensava, terá havido, há uns 5500 anos, uma migração do Velho Mundo para o Novo Mundo até agora desconhecida e independente da dos antepassados dos inuit e dos índios da América do Norte. Inuk tem, ao que tudo indica, antepassados diferentes destas duas outras populações. Trata-se de uma migração “substancial e relativamente recente que atravessou o estreito de Bering da América do Norte até a Gronelândia”, escrevem por seu lado dois especialistas, David Lambert e Leon Huynen, da Universidade Griffith, na Austrália, num comentário que acompanha a publicação dos resultados.
Naquela altura, frisa ainda Willerslev, “terão tido de atravessar o mar de Bering de barco ou de passar por cima do gelo aproveitando o Inverno”.
Desta vez, os investigadores utilizaram o melhor material imaginável para extrair o ADN: um espécimen congelado – e portanto pouco degradado ou contaminado com ADN de outras espécies. Mas os cientistas confiam que, mesmo com outro tipo de restos, vindos de latitudes mais amenas, será possível fazer o mesmo. Morten Rasmussen, um dos co-autores do trabalho, explicou aos jornalistas que para isso, bastará que os fragmentos de ADN sequenciados “sejam suficientemente compridos para encaixar sem ambiguidade numa dada localização do genoma humano”.
“Vamos ver aparecer muitos mais resultados destes nos próximos cinco anos”, garante Willerslev. O seu próximo objectivo: fazer o mesmo com múmias. “Há, um pouco por toda a América do Sul, múmias que têm entre 8000 anos e uns séculos.
Fonte: Ana Gerschenfeld (10 Fev 2010). Público.
Não se sabe muito sobre os fenícios, um povo navegador do leste do
Mediterrâneo, durante um milénio, até serem conquistados pelos
romanos. Mas um novo método de análise genética revela que deixaram a
sua marca genética em muitos povos mediterrânicos -- e os portugueses
estão entre os que mais se podem gabar de ter a marca fenícia no seu
ADN.
Um em cada 17 homens que hoje vivem nas costas do Norte de África e no
sul da Europa podem ter tido um antepassado fenício, que tinha como
ponto de partida o actual Líbano, conclui um estudo publicado na
revista científica American Journal of Human Genetics.
Os cientistas do "Genographic Project" (que estuda a forma como a
humanidade se espalhou pelo planeta) identificaram um padrão genético
associado à expansão dos fenícios, tal como as fontes históricas a
revelam. Depois, estudaram o cromossoma Y de 1330 homens nesses
locais, para verificar a frequência desse padrão.
Assim, descobriram os locais da bacia do Mediterrâneo onde é mais
provável haver descendentes masculinos dos fenícios. As zonas mais
perto do litoral, e também a costa atlântica portuguesa, estão entre
as que têm mais descendentes dos fenícios.
Fonte: Clara Barata (31 Out 2008). Público
A sequenciação de todo o ADN mitocondrial de um osso fossilizado de um
hominídeo que viveu há 38 mil anos mostra que é possível ser mais
ambicioso.
Os homens de Neandertal e nós, que somos todos Homo sapiens,
partilhámos um último antepassado há cerca de 660 mil anos. E, de
acordo com a análise da sequência completa do genoma do ADN
mitocondrial destes humanos que desapareceram da face da Terra há
cerca de 35 mil anos, os seus genes não se terão misturado com os
nossos: neandertais e homens modernos até podem ter tido relações
sexuais, e eventualmente até filhos, mas não terão tido netos que
deixassem marcas genéticas na população actual.
A equipa que publica hoje os seus resultados na revista Cell é
coordenada por Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia
Evolutiva, na Alemanha - que tem como objectivo sequenciar o genoma
completo do Neandertal, para o comparar, gene a gene, com o dos
humanos modernos. A tecnologia actual de sequenciação genética
permitiu sonhar com este projecto, até há muito poucos anos
impossível. Este trabalho, usando ADN extraído de um osso de
Neandertal com 38 mil anos, encontrado na gruta de Vindija, na
Croácia, foi uma espécie de ensaio para esse projecto, que a equipa,
aliás, já iniciou.
Por ora, o que fizeram foi mais modesto: sequenciaram, com um enorme
grau de precisão (repetiram 35 vezes, para eliminar erros) todos os
genes das mitocôndrias, pequenas estruturas que existem no interior da
célula, e são responsáveis por lhe fornecer energia. Mas este ADN está
separado do do núcleo, que é onde se encontram todas as instruções
genéticas para criar um ser humano. Além disso, é transmitido de
geração em geração intacto, pela linha maternal, sem se misturar com
os genes das mitocôndrias das células do pai.
Os cientistas descobriram que os Neandertais, que sobreviveram na
Europa durante uma glaciação, devem ter sido mesmo muito poucos. A
população seria tão reduzida que a selecção natural seria pouco eficaz
a eliminar as pequenas mutações genéticas que podem ter grandes
impactos na saúde do indivíduo, por si só ou em resultado da
acumulação destas gralhas genéticas. "A maior parte dos cientistas
acredita que, há 40 mil anos, existiam apenas uns poucos milhares de
Neandertais na Europa. Mas ainda há que saber se isto era uma
característica geral, ou se foi uma redução com origem nalgum evento
específico", comentou Johannes Krause, um dos autores do trabalho,
citado num comunicado de imprensa da Cell.
Os cientistas identificaram também mudanças numa das 13 proteínas cuja
produção é comandada pelo gene COX2 do ADN mitocondrial - mas esta não
parece acarretar diferenças funcionais. "É uma descoberta intrigante,
mas não sabemos o que significa", disse o primeiro autor do artigo,
Richard Green.
Fonte: Clara Barata (08 Ago 2008). Público.
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