Este novo caso é o “primeiro de cancro na próstata achado numa múmia egípcia enfaixada, e na qual não foram usados métodos destrutivos”, salientou Carlos Prates. “Não há nenhum diagnóstico de cancro na próstata nem de patologia maligna numa múmia que não tenha sido aberta para análise, como era prática no século XIX, até à invenção do raio X”, disse o médico radiologista.
A múmia, do período ptolomaico (305-30 a. C.), é designada cientificamente como «M1» e integra o «Lisbon Mummy Project» que se iniciou em 2007 e terminou o ano passado. Os resultados científicos serão publicados numa revista da especialidade.
Só depois da publicação é que se revelarão os pormenores da investigação multidisciplinar que envolveu duas outras múmias e animais mumificados também pertencentes ao espólio do MNA. Uma dessas múmias é um sacerdote, chamado Pabasa. Nesta, descobriu-se uma lesão extensa com origem numa distensão, que lhe terá provocado frequentes “entorses dolorosas”, explica o investigador.
Este sacerdote era o responsável por vestir a estátua do deus da fertilidade Min, segundo se soube pelo texto escrito no sarcófago, em hieróglifos, explicou à Lusa o egiptólogo Luís Araújo que integra a equipa.
Múmia sem nome
Quanto à «M1» não há conhecimento do que faria, “pois acompanham-na apenas oferendas de protecção para a vida além-túmulo e não há qualquer referência a nome ou função”, que seria necessariamente importante para ter sido enfaixada, já que os corpos dos cidadãos mais comuns eram lançados em buracos no deserto.
Foto:http://sicnoticias.sapo.pt/cultura/2011/11/10/mumia-de-museu-de-lisboa-unica-no-mundo-com-diagnostico-de-cancro
Múmias foram estudadas no âmbito de uma parceria entre a empresa Imagens Médicas Integradas e o MNA
Esta múmia “está identificada em 1782 na colecção que pertenceu a D. Pedro de Noronha, terceiro marquês de Angeja” e esteve exposta no seu palácio, em Lisboa, onde hoje está instalada a Biblioteca Municipal de Belém. “O marquês decidiu construir um museu para esta múmia. Terá sido dos primeiros na Europa a projectar um espaço onde a sua múmia estaria num ponto especial”, conta Carlos Prates.
Esse museu, para qual houve dois projectos, começou a ser construído no Lumiar, tendo ficado apenas construída a parte inferior, pois os filhos não partilhavam da sua paixão pelo coleccionismo e não o terminaram.
“Hoje, essa parte construída é um restaurante. Se o marquês tivesse levado avante o projecto teria sido dos primeiros museus na Europa”. Mas face ao desinteresse dos herdeiros, “a múmia acabou por ir para o museu de arqueologia”.
A terceira múmia “terá origem nas colecções régias ou de qualquer família nobre”. Tem 2700 anos e chama-se Irtieru, o que significa “que os dois olhos se voltem contra eles”, numa referência aos olhos de Hórus e aos inimigos do defunto.
As múmias foram estudadas no âmbito de uma parceria entre a empresa Imagens Médicas Integradas (IMI) e o MNA, “sem ter custado um cêntimo ao Estado pois contou-se ainda com o mecenato da Siemens para o transporte das múmias e a colaboração da Fundação Gulbenkian, que patrocina a vinda a Portugal da arqueóloga egípcia Salima Sikran que acompanha o estudo”.
“Somos todos voluntários, o pessoal médico e técnico, e este pode ser o exemplo de outras parcerias que permitam ficar a conhecer melhor e valorizar o património português”, salientou Prates. A equipa é coordenada pelo director do MNA, Luís Raposo, e integra Luís de Araújo, da Universidade de Lisboa, os médicos radiologistas Sandra Sousa e Carlos Oliveira e ainda o arqueólogo Álvaro Figueiredo, do University College de Londres.
“Quando nós propusemos ao MNA o estudo das múmias por este método, em 2006, encontrei por acaso com um documento do arqueólogo Álvaro Figueiredo que sugeria o estudo através destes métodos e que ele próprio tinha já baptizado como «Lisbon Mummy Project». Houve assim uma confluência de vontades”, sublinhou Prates.