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O Património é um bem comum... Preservá-lo só depende de cada um de nós...
Só quando se fala em achados de fósseis humanos, como aconteceu o mês passado, as pessoas despertam para o que se passa nas Grutas do Almonda. Desde 1988 que equipas voluntárias e profissionais se dedicam durante dois meses por ano, a ”escavar” as grutas de Torres Novas, na procura de sinais que ajudem a melhor conhecer a história. Este ano, a campanha arqueológica na Gruta da Oliveira resultou no achado de fósseis humanos. Mais tempo houvesse e o resultado seria melhor, já que, no entender de João Zilhão, responsável pelos trabalhos, muito há ainda por descobrir nas grutas da nascente do Almonda.
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A campanha deste ano, que decorreu entre Junho e Julho, na Gruta da Oliveira, trouxe boas notícias e um incentivo à continuação das escavações: a descoberta de fósseis humanos do Neandertal, segundo contou João Zilhão. Uma falange e um úmero, como continuou o arqueólogo, e dois outros elementos ainda em fase de diagnóstico, terão sido encontrados na gruta e são testemunhos importantes da pré-história e do homem Neandertal e elementos chave na discussão que se desenvolve à escala internacional, sobre a evolução humana. Disto, não tem dúvidas João Zilhão. Achados importantes e que se vêm juntar a outros já efectuados nas mesmas grutas: ”Até agora, de Neandertais da Gruta da Oliveira temos uma falange da mão, um cúbito, dois úmeros direitos, um fragmento do crânio e uma tíbia”. Porque onde há fumo, há fogo, Zilhão suspeita que não muito longe dos achados deste ano, outros vestígios de vida humana existirão. Mas o ritmo de trabalho é lento, uma vez que não há financiamento para campanhas mais alargadas e, por isso mesmo, segundo o arqueólogo, haverá trabalho para mais 20 anos nas Grutas do Almonda, até se descobrir tudo o que o imóvel tem para oferecer aos estudiosos. Enquanto não se encontrarem mais fósseis humanos de relevo para o estudo da pré-história, a gruta, por si só, e como afirmou João Zilhão, oferece já elementos importantes para perceber a forma de vida de outrora: ”A jazida já nos dá importantes informações sobre o modo de vida, como era a paisagem dessa região, que animais existiam, como eram explorados pelos caçadores desse período – 30 a 100 mil anos antes do presente – e qual o papel que aquela gruta desempenhava no sistema de povoamento dos caçadores. Esta jazida dá informações sobre essa época, como mais nenhuma dá”, alerta João Zilhão. Quem visita a nascente do Almonda, nas traseiras da fábrica de papel Renova, não imagina que aí se encontre tal riqueza. João Zilhão não tem reservas em afirmar que o sistema de grutas do Almonda é, à escala da Península Ibérica, uma das poucas que dá informação de tanta qualidade: ”Em termos arqueológicos, para a pré-história, este é um sistema de jazidas único no país e com poucos paralelos a nível mundial. Não vou dizer que é uma jazida, no estado actual de desenvolvimento, para ser merecedora da classificação de património mundial. No caso de grutas arqueológicas, isso resulta em grande medida dos achados que lá se fazem e da relevância que têm para certos problemas, nomeadamente relacionados com a evolução humana”. Um título que apenas não merece, no entender de Zilhão, porque a falta de investimento, não permite uma exploração condigna, que resulte em um número significativo de achados: ”O apoio reduzido que temos tido significa que a exploração do sistema do Almonda vá muito devagar e, embora o potencial seja enorme, os achados que foram feitos até agora são de relevância nacional e, em alguns aspectos, europeia. E é, seguramente, uma das mais importantes do país”, garante o estudioso. Mas porquê? ”As pessoas que vêm à nascente vêem a água a brotar por cima da parede da represa e o lago, que tapa a galeria por onde actualmente o rio desemboca à superficie. Ali confluem dois rios subterrâneos. Como é uma escarpa muito alta, o rio hoje está a nascer aquela cota, mas em anos anteriores ele nascia mais alto. De cima para baixo, vamos tendo vestígios de habitação de há 200/300 mil anos. A meia encosta está a Gruta da Oliveira onde encontramos vestígios de 30 mil a 100 mil anos, depois, logo por cima da nascente há duas - uma que está em exploração, que é a Lapa dos Coelhos e que corresponde ao período a seguir (10 mil a 30 mil anos) e, logo por cima da nascente, a Galeria da Cisterna, onde encontrámos, nas primeiras escavações, um cemitério da época dos primeiros agricultores (de há 6 mil, 7 mil anos). Esta diacronia num único lugar, é caso único em Portugal. Há um caso parecido em Espanha, que é a Tapuerca e não conheço na Europa outra situação parecida. Temos aqui todas as etapas da pré-história”, explicou João Zilhão. O investigador não tem dúvidas de que o sistema de Grutas do Almonda tem imenso potencial sub-aproveitado e deixa umas dicas: ”Com os achados da Gruta do Almonda, faz-se um museu completo da pré-história do território português. Uma coisa que é realista e viável, é começar aqui um pequeno museu, como não se pode fazer nem no Museu Nacional”. Os fósseis humanos entretanto achados em Torres Novas, ao longo destes 20 anos de campanhas, encontram-se no Centro de Investigação de Paleontologia Humana e Afrociências, juntamente com o esqueleto do Menino do Lapedo, a fim de poderem ser estudados em conjunto, como contou Zilhão. Os restantes achados estão em Torres Novas, na sede da STEA e uma parte no Museu Nacional de Lisboa e na universidade. O perfil da região O sistema das Grutas do Almonda deixa, por si só, perceber qual foi o perfil da região em tempos idos: ”Era uma terra de caçadores, nas margens do Almonda, com manadas de cavalos a pastar ao longo do rio. Um bosque aberto, parecido com a savana de África, com grandes carnívoros como leões, panteras, hienas, e pequenos grupos humanos. Em tudo o que é hoje a área do concelho, haveria talvez vinte pessoas, que exploravam tudo, gruta em gruta, ao ar livre, vivendo da caça. Ao longo do tempo inventando coisas novas, desenvolvendo tecnologias”, terminou João Zilhão.
Fonte: Inês Vidal (22 Ago 2008). Jornal Torrejano: http://www.jornaltorrejano.pt/edicao/not
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